segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Viajo porque ainda não sei que não preciso


Um amigo mais que querido vai fazer uma viagem e um filme - o que seria o tal do roadmovie. Ele é do tipo que se torna imerso nos seus projetos, admiravelmente. Assim, ele está conversando com várias pessoas, vendo várias referências e, se o conheço bem, deve estar pulando em sua mente diariamente - o filme, a viagem, o filme-viagem.

Eu amo viagens. E quem me conhece só um pouquinho sabe qual é o grau que essa frase atinge para mim. As viagens são amadas por tudo o que sou e isso será entendido ainda mais pra frente. E, bem,  talvez por estar com essa conversa marcada, talvez pelas férias estarem chegando, talvez por simplesmente eu , até que enfim, entender o porque das viagens serem tão importantes, tive uma reflexão mais adensada...

Viajo porque ainda não sei que não preciso, volto, sem, de fato, nunca mais voltar. Se estivessemos no Oriente eu apenas diria essa frase ou  uma fábula de animais e você teria que se virar para entender as mil camadas dela. Mas, aqui não. Aqui eu vou dizer exatamente o que quero dizer. E espero que não se bastem ai, porque obviamente está além do que se está dizendo, sempre.

As viagens são uma ferramenta incrível para se colocar no presente. Estamos excessivamente acostumados com nossas vidas. Acordo às sete, tomo banho, tomo café da manhã - pão, manteiga, leite, café - tomo ônibus, tomo as ordens do dia e trabalho. Em que momento se está aonde deveramente estamos? Em que momento não há uma meta, não há um costume tão acostumado que só deixamos os condicionamentos levarem o dia? Acostumamos tocar o dia sem experienciar as coisas além do que os condicionamentos permitem.

Em uma viagem isso não funciona.. E quanto  mais é "exótico" mais ainda temos que nos fazer presentes. Assim, percebe-se uma árvore diferente, uma flor mais-linda-que-todas, um costume-estranho-do-Outro. O dia é notado, suas minucias, suas cores - a arquitetura, a culinária, os modos, a educação. Tudo é olhado sabendo-se ser Hoje. O que nos é estranho é notado, quando notamos de fato - como uma criança - estamos no presente. Ao menos, infinitamente mais do que na rotina.

Estar no presente já é valorizado em diversas filosofias e no senso comum. Ele permite conhecer a si mesmo uma vez que você vai além do que está programado a fazer. Permitimo-nos a experienciar o que é "diferente" e medir novamente... Esse presente carrega outra questão que a viagem também potencializa - joga o fósforo aceso em quem permite que seu coração pegue o fogo da vida:

A viagem nos presenteia a experiência de que não existe dualidade. Novamente, quanto mais exótico - e mais sozinho então - mais conseguimos experienciar o segredo da vida. Quando vamos à uma cultura distinta da nossa - e do nosso dia-a-dia - experienciamos que não há o certo e o errado. A circunstância do tempo, da cultura, do social, do familiar e ainda, do individual egóico sempre é a medida para o que seria um certo e um errado. Vemos o indiano usando a rua como banheiro, vemos o muçulmano  parar e rezar na rua, vemos os insetos fritos sendo comida. Estranho, mas certo para alguém em algum lugar. Não existe nada que não seja possível juntamente com o seu oposto na mesma medida. (Olha a ideia de vela do Jung aí ou então,a ideia do paradoxo só ser uma questão de tempo em Shakespeare e, ainda, lindamente em Oscar Wilde: o caminho dos paradoxos é o caminho da verdade )

Isso é presente não só no costume aparente mas na moral, na tradição,nos traumas, na ideia de mãe, de pai, de casamento. Uma atitude sempre vem pautada por esse contexto cheio de camadas. Fica difícil vermos no nosso dia-a-dia essas camadas porque é tudo tão familiar - de alguma forma compartilhamos esses rótulos e ideias e ao mesmo tempo particularizarmos com nossos traumas egóicos. As camadas são, aliás, a base do conflito interno e externo. Porque afinal, se entendermos o quanto cada um age tão pautado por camadas (a tal da projeção) que nem ele (ou eu...) mesmo tem controle não seria tão mais fácil perdoar genuinamente e viver, exatamente.... no presente?

Viajemos assim. Ao estarmos no agora e sentirmos que a dualidade  não existe entramos em contato com o tal Algo Universal que está muito além e é inclusivo - totalmente, sem qualquer preconceito, sem qualquer julgamento. Temos a oportunidade de descartar qualquer certo e errado colocado pelos rótulos que vestimos até então - o filho, o estudante, a mãe, o namorado, o brasileiro, o classe média, o pecador... E sabemos disso, sentimos isso em algum nível.

Tiramos fotos. Queremos embalar e guardar para todo o sempre e deixar acessível esse conhecimento libertador com algo simbólico. Aqui, eu tomo a licença, para ir além.  É frequente querermos fotografar quando algo é tão feliz e que nos entrega a sensação de plenitude. É frequente escutar também aquela coisa - será algo que contarei aos meus filhos. A eternidade está emprenhada nesses momentos, ela aparece ou dentro da cultura como manifestação artistica - foto! - ou no pensamento e no que dentro da cultura entende-se como eternidade : o filho.

Mas, o passo além não está aí. O passo além está onde os olhos vão se espremer e a testa franzir quando lerem. A dualidade mais dificil de se transcender é a da vida e da morte. O sentimento de eternidade reconhecido ao se experimentar o segredo da não dualidade, o segredo da inexistência do certo e do errado - o Uno tornando-se palpável em algum nível - é sentido e depois manifestado de uma forma que não traga conflito direto. A fotografia, o filho, a familia. Mas, para quem se disponibiliza experienciar o segredo de verdade... Para quem consegue estar tão no presente e somente disponível vive-se, de fato, a transcendência da dualidade última presente em toda ideia de Morte e em todo o Medo.O primeiro medo que dali resulta e o qual serve de base para a engendração de todas aquelas camadas ditas lá em cima... Afinal, bem é sabido que todas as máscaras - do ego até a roupa - vêm da "necessidade" de se encaixar na Grande Máquina: adaptar-se seria sobreviver... Sobreviver não é mais uma questão, no entanto, quando não mais tenho a vida enquadrada na ideia dual.



Viajo porque ainda não sei que não preciso.
Volto... Sem nunca voltar.







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